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Mafalda foi criada para vender eletrodomésticos

A garota que tanto refletiu sobre o capitalismo, a economia e a ordem mundial é fruto dessa mesma sociedade de consumo.

Logo após a publicação do livro Mundo Quino em 1963, seu primeiro livro de humor gráfico, Joaquín Lavado foi chamado para desenhar uma família de personagens para divulgar os eletrodomésticos Mansfield, da empresa Siam Di Tella, em uma tira de jornal. 

A menina chamava-se Mafalda, em homenagem a uma das personagens do romance Dar La Cara, de David Viñas. A ideia era criar uma história sobre uma família que usava os produtos da marca a fim de oferecê-la gratuitamente para jornais e revistas. Mas a campanha publicitária nunca viu a luz do dia, e Quino deixou seu bebê guardado na gaveta.

Alguns meses depois, no entanto, quando Quino foi convidado a publicar uma tirinha no Primera Plana. Mafalda finalmente chegou ao jornal em papel, dando início a sua “carreira”.

Mafalda

Um livro “para adultos”

– Vou te explicar: os milibares são uma medida de pressão. Dependendo da atmosfera, pode se dizer que há uma pressão de tantos mili….

– Desculpa, papai, eu te perguntei sobre os milibares, e não sobre os militares — responde Mafalda.

A sempre crítica Mafalda nunca desceu bem para alguns setores. Na Espanha, a censura da ditadura franquista (1936-75) obrigou editores a colocarem um aviso na capa do primeiro livro de Mafalda no qual dizia que era uma obra “para adultos”. Mafalda também teve problemas com a censura em outros países, a exemplo de Brasil, Chile e Bolívia.

“Simplesmente eu a tive desde o início”, dizia Quino sobre a censura a seus primeiros trabalhos como humorista gráfico.

“Eles me disseram: ‘Rapaz, piadas contra a família não, militares não, nudez não. Eu nasci com autocensura.”

Livros de Quino

C Legenda da foto,Livros foram traduzidos para mais de 30 idiomas

Mafalda até na sopa

A personagem de Quino está por todas as partes. E não apenas nos livros traduzidos para mais de 30 idiomas, entre inglês, italiano, francês, hebraico, alemão, guarani e coreano.

Mafalda vive no bairro de San Telmo

Hoje, na esquina das ruas Chile e Defensa, uma escultura em tamanho natural da Mafalda aguarda a chegada de turistas sentada em um banco. A obra se tornou uma das principais atrações turísticas da cidade.

“Mafalda viveu aqui”, diz uma placa em homenagem ao edifício.

Quino rejeitava a fama

Apesar do sucesso enorme que teve com a personagem, Quino resistiu à fama.

Durante anos ele pendurou uma placa em seu escritório que dizia: “Por motivos de timidez, não se aceita reportagem de qualquer tipo.”

“Optei pelo desenho porque falar é difícil para mim”, admitiu em uma entrevista.

Em outra, disse que havia decidido que sua protagonista deveria ser mulher por causa da influência do movimento de emancipação feminina dos anos 1960 e porque “as mulheres são mais espertas”.

Ao longo de quase uma década, Quino publicou um total de 1.928 tiras estreladas por Mafalda.

Escultura de Mafalda

Legenda da foto, Mafalda surgiu em 1964

Seus desenhos populares sobre a garota com ideias progressistas também foram compilados em livros, e estes tiveram sucesso equivalente.

Em 25 de junho de 1973, Quino decidiu que já era o suficiente e publicou sua última história sobre Mafalda. Anos depois, ele diria que fazer uma tira com personagens “é uma escravidão muito grande” e se retratava vestido de prisioneiro com desenhos em vez de listras.  Morreu no dia 30 de setembro de 2020, aos 88 anos, em Mendoza, Argentina.

Ignacio de los Reyes
Da BBC News Mundo em Buenos Aires
1 outubro 2020

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